Num fim-de-semana em que o Sporting
não joga, aproveito para reflectir um pouco sobre a situação do futebol
nacional e internacional, sobretudo em termos financeiros. Nas últimas semanas
o Record e, sobretudo, o Público, nas suas versões impressas, presentearam-nos
com entrevistas com vários académicos e economistas (lamento não me recordar
dos seus nomes, nem possuir quaisquer citações) que produziram estudos sobre a
situação financeiras dos clubes portugueses. É uma questão que naturalmente
interessa e afecta o Sporting, e por isso vou opinar sobre as ideias e
conclusões destes académicos.
Modelo competitivo
O problema da competitividade do
futebol português é claro. As baixas assistências nos jogos entre alguns clubes
da Primeira Liga, e (também como consequência desse pouco “mercado” do clube)
as baixíssimas receitas que arrecadam são um problema há muito identificado no
futebol português.
Li propostas com soluções variadas:
desde a criação de “Ligas Europeias” a um modelo de recrutamento de jogadores,
semelhante ao que existe na NBA (Liga de Basquetebol norte-americana). E não
concordo com nenhuma. É verdade que o Futebol, actualmente, é um negócio, e
deve – em parte - ser encarado como tal (os clubes que não se
profissionalizarem e não se adaptarem às exigências actuais terão dificuldades
em prevalecer).
Mas há algo que torna este tipo de
soluções desadequadas: as questões culturais. O sentimento de identificação com
uma determinada identidade clubística não tem par no Basquetebol americano
(sobretudo, na altura em que as “franchises” surgiram) e, sobretudo, a
população existente em Portugal fora das regiões de Porto e Lisboa impede um
crescimento elevado dos restantes Clubes. Portanto, uma “distribuição” de
talento que visasse colocar grandes talentos em clubes de média dimensão não
atrairia receitas suficientemente significativas, que permitissem a esses clubes
manterem esses jogadores e se tornarem, futebolisticamente, muito mais
competitivos. Em Portugal e também noutros países. Solução portanto desadequada,
na minha opinião. É também por razões culturais e históricas que não vejo nas
Ligas Europeias uma bola solução.
Ainda assim, esta última já me
parece uma solução mais interessante. Há efectivamente que reflectir e alterar
o paradigma, porque a pouca competitividade e a falta de interesse de muitos
dos jogos que acontecem na Liga Portuguesa não se coaduna com a importância de
4/5 clubes portugueses a nível internacional (os três grandes, em franco
destaque, e mais uma ou outra equipa um pouco abaixo; equipas cujo número de
apoiantes e resultados recentes a nível internacional justificam a existência
de um Campeonato mais competitivo que aquele que, nesta jornada, por exemplo,
terá um jogo como o Beira-Mar x Moreirense… que interesse há em jogos destes,
para eventuais espectadores? Muito pouco).
Sustentabilidade:
O problema da competitividade está
também relacionado com o da sustentabilidade financeira. Os entrevistados
falaram da questão do endividamento, e referiram que, regra geral, quase todos
os clubes estão com orçamentos e despesas desfasadas das receitas que esperam obter.
O alto endividamento é, portanto, transversal, e com o acesso ao crédito cada
vez mais difícil, este problema deixa de ser apenas dos clubes de pequena
dimensão, tornando-se também um problema sério para os clubes de maior nomeada.
Soluções como fundos de jogadores e
parcerias são entendidas, pelos académicos em questão, como balões:
acabar-se-ão por esvaziar, e é apenas um adiar do problema. A questão terá de
ser tratada. O problema, para um dos entrevistados que falou ao Público, é que
a questão não pode ser tratada individualmente: um clube que decida desinvestir
para adequar as despesas às receitas e reduzir o endividamento face aos
credores partirá em desvantagem face aos demais.
Na prática, até pode fazer o mesmo
com menos. O Braga tem sido um exemplo disso mesmo em Portugal: com orçamentos
moderados, tem tido resultados próximos dos grandes no Campeonato, e feito boas carreiras
europeias (já chegou a uma final da Liga Europa e, este ano, arrecadou 10
milhões de euros pela presença na fase de grupos da Champions). O seu rival do
Minho, o Guimarães, definiu uma estratégia clara também com os novos corpos
sociais do Clube: reduziu significativamente o orçamento (jogadores como Nuno
Assis, Pedro Mendes, João Alves e Edgar saíram) e definiu uma estratégia de
apostar em jovens activos com talento, valorizando-os (e a manutenção do
treinador Rui Vitória, que já em Paços de Ferreira havia trabalhado e feito
crescer jogadores como David Simão, Nélson Oliveira, Pizzi e até mesmo Caetano,
foi estratégica). Conseguindo um plantel de qualidade e com vários activos que
podem valorizar bastante, contratando um treinador capaz de o fazer e criando a
Equipa B, o Vitória mostra que pode fazer uma época tranquila, com muito menos
gastos, e crescer a médio prazo para patamares mais elevados.
No entanto, na teoria, é
efectivamente mais complicado lutar pelos mesmos objectivos que os outros com
bastante menos recursos. E é aqui que entra a solução proposta pelo
entrevistado que já referi: uma orientação da UEFA, que vise estabelecer um tecto
salarial (que varie em função das receitas) e uma mão pesada
perante os clubes que se endividarem e entrarem em incumprimento. A solução da
tal «Liga Europeia» foi também referida relativamente a questões financeiras,
dadas as receitas que poderiam advir para os principais clubes portugueses por
jogarem regularmente com equipas de topo europeu (as outras equipas em Portugal
jogavam com equipas com estatuto europeu semelhante, penso).
Esta solução de uma adequação das
despesas às receitas ser implementada de forma colectiva carece de maior
substância (as despesas seriam calculadas em função exactamente do quê?), mas, no geral, penso fazer bastante sentido.
Conclusões:
Acima de tudo, no futebol português
em particular – e no futebol internacional no geral - existem dois problemas
que devem ser resolvidos, até pelas dificuldades crescentes que se esperam em
termos económico-financeiros no Mundo (e, novamente, em Portugal em
particular): a falta de competitividade de alguns Campeonatos Europeus, nos
quais o nosso se insere, e o alto endividamento dos clubes nacionais. São dois
problemas que estão relacionados: ainda que não fosse talvez suficiente, uma
maior competitividade no Campeonato Português geraria por certo mais receitas.
A solução que tem sido defendida
pela Liga (por Mário Figueiredo) é a venda dos direitos de transmissão
televisiva em termos colectivos. Mas para esta questão devemos reflectir em duas
coisas:
1) Este
é o patamar máximo de qualidade que a Liga pode atingir, no sentido de
valorizar o seu Campeonato e torna-lo um produto interessante? Isto é, não há
possibilidades de valorizar o produto que se quer vender, antes da venda?
v 2) A
venda procurará incrementar as receitas dos clubes pequenos. Mas este aumento
será suficiente para criar um conjunto de 13 (ou 15…) equipas cuja
competitividade não desmereça um dos melhores Campeonatos da Europa, a seguir às Ligas de topo internacional? E um conjunto tão elevado de equipas com um número muito
reduzido de sócios e adeptos presentes nos Estádios não é talvez o único
handicap do Campeonato Português face a alguns outros Campeonatos da Europa (os
resultados dos principais clubes alemães nos últimos anos, por exemplo, não têm
sido assim tão superiores aos que o Benfica e o Porto têm obtido em termos
internacionais)?
É preciso que o Campeonato
Português seja mais competitivo: a larga maioria dos portugueses, adepta de um
conjunto de não mais que 12/13 equipas, beneficiaria muito com isso. E esse
conjunto de clubes também – poderiam ter maiores receitas e maiores assistências.
A Liga, consequentemente, teria um produto bem mais interessante para vender. Mas se é por haver um conjunto (baixo...) de jogos muito pouco
interessantes e emotivos que a Liga não tem mais valor, que outra forma de
resolver o problema que não um Campeonato com estádios mais cheios, com mais
jogos emotivos (e menos jogos desinteressantes)? E como o conseguir?
É também preciso que os clubes
portugueses não se endividem tanto quanto o têm feito nos últimos anos. É
possível manter a competitividade dos clubes portugueses face aos restantes
clubes internacionais? A tal ideia de um controlo de despesas mais apertado da
parte da UEFA, a nível colectivo, garantiria-o. E uma boa gestão faria o resto.
Questões importantes, que urge
resolver a curto prazo. Porque não é só clube x ou y que está mal; dos grandes,
é natural que quem não tem ido à Liga dos Campeões (Sporting) sinta mais
dificuldades desportivas e financeiras; mas também o Porto e o Benfica, como a
larga maioria dos restantes clubes nacionais, têm tido orçamentos
incomportáveis e desfasados da realidade que as suas receitas lhe impõem. É que
um dia o balão esvazia… e para todos. Dada a situação financeira da Europa
então… é preciso encarar o problema de frente.